O retorno do vinil em plena era digitalO retorno do vinil em plena era digital
Por Sergio da Motta e Albuquerque em 27/11/2012 na edição 722
O USA Today (12/11) anunciou o lançamento em vinil de todos os álbuns de estúdio dos Beatles pela Apple (o rótulo original da banda) e a EMI. O material chegou ao mercado no dia seguinte e incluiu também todo o trabalho de artes gráficas das antigas capas. Podem ser adquiridos pelos fãs separadamente ou na caixa com a coleção completa, que inclui um livro impresso em alta qualidade.
O Black Sabbath, banda legendária para os entusiastas do heavy metal, também anunciou que vai lançar uma coleção remasterizada em formato analógico. Os discos virão também numa caixa que vai se chamar “A coleção em vinil – 1970-1978”. O lançamento foi previsto para 12 de dezembro deste ano, informou a revista semanal inglesa NME (15/11).
Depois de quase desaparecerem na virada para o século 21, a coisa mudou a partir de 2007: mais e mais lançamentos em vinil voltaram às lojas e às notícias. A volta do vinil, de acordo com a Modern Times (09/11), “é fruto da iniciativa de DJs e apoiada pelo público interessado em experiências mais ‘quentes’ e profundas com a música ‘disponível em formato analógico’”, anotou a revista. A chegada do som digital prometia aposentar para sempre os antigos LPs, mas não foi isso que aconteceu: de acordo com estatísticas da Nielsen Soundscan, “vendas em vinil aumentaram a 3,9 milhões de unidades em 2011, acima dos 2,8 milhões em 2010. O relatório de meio de ano mostra que as vendas do vinil para este ano devem acabar com 14% (de crescimento) sobre 2011”, publicou (09/11) a Modern Times.
Mitos e explicações
A explicação corrente entre aficionados, especialistas e músicos diz que o som digital “achata” a música: graves e agudos “somem”. Os tons médios ganham destaque. Falta a “imprecisão” característica dos discos analógicos, acredita Sean Magee, engenheiro da Apple (a gravadora). É justamente esta imprecisão que torna o vinil tão especial: eles podem reproduzir com mais fidelidade a experiência auditiva de um concerto (sinfônico ou outro, como rock) com mais realismo que o pasteurizado som digital. Concorda com isso, leitor?
Se você gosta de música, trabalha ou consome áudio em alguma forma, já deve ter notado que realmente o som digital, comparado a uma reprodução fiel a uma boa gravação analógica impressa em vinil, é inferior, quando comparado com o velho formato analógico. A explicação corrente diz que a taxa de compressão dos arquivos digitais deixa de fora elementos primordiais para uma boa reprodução em áudio. Quanto maior a compressão, mais se perde da experiência original da gravação em estúdio ou concerto ao vivo.
Os arquivos de baixa compressão (como os WAV) têm uma qualidade de som infinitamente superior aos MP3, por exemplo. Mas são imensos e propriedade da Microsoft. Com o aumento da velocidade das conexões em banda larga, os WAV passaram a frequentar a web. Mas não têm a mesma popularidade e disponibilidade dos arquivos MP3. O formato MP3 é portátil, pequeno e pode ser usado na web como se tivesse sido criado para ela. Mas ele não foi inventado para transmissão de músicas, mas voz. E foi criado muito antes da web e os PCs. O formato MP3 já está entre nós há mais de 30 anos. Há muitos mitos e explicações que não vão além do senso comum, quando o assunto é reprodução de som em meio digital ou analógico.
Execução e partilha de áudio
O site de tecnologias de som e vídeo ÁudioTX (30/5/2011) explicou o que é o formato MP3, como, para que e quando surgiu este tipo de arquivo. A revista informa que o formato foi desenvolvido pelo professor Dieter Seitzer no início dos anos de 1970, da Universidade Erlangen-Nuremberg, “para solucionar o problema de transmitir fala em alta qualidade através de linhas telefônicas”.
Com o aumento da velocidade da web, iniciado pelas redes digitais de serviços integrados (ISDN) nos anos de 1980 e o surgimento dos cabos de fibra ótica, o professor alemão “direcionou a pesquisa para codificação de sinais de música”, informou a publicação. Que também confirmou que o formato é o que apresenta menos perdas ao ouvido humano.
Por outro lado, Jorge Faria, autor do artigo, teve a prudência de informar que, apesar de suas vantagens, como pequeno tamanho e a sua vasta disponibilidade na web, o formato apresenta limites: “Apesar de toda a sua popularidade e uso prático do MP3 existe uma grande diferença em qualidade entre os arquivos MP3 e o formato de arquivo WAV. MP3 é um formato com perda de compressão de dados (lossy data). Isto significa que parte de dados são removidos para diminuir o tamanho dos arquivos de músicas, aproximadamente 1/7 do tamanho do arquivo original no formato WAV.”
As diferenças mais notáveis entre os formatos de alta compressão, como os MP3, e os de baixa compressão (como o WAV) são a “perda de clareza” nos tons agudos e perda de peso (punch) nas notas de baixa frequência. Em outras palavras, os tons graves são pouco potentes e “achatados” (flat). Ocorre também “perda da dinâmica original do som”, e problemas de fase – que também perturbam e distorcem a audição. Com todos os seus limites, o formato MP3 acabou por ganhar a web e é de longe o formato mais popular para execução e partilha de áudio na era digital. O site da ÁudioTX aponta a superioridade dos arquivos WAV para transmissões de áudio.
Experiência social mais rica
Durante algum tempo, cultivou-se o mito da superioridade inconteste do som digital. E, realmente, ele apresenta muitas vantagens. Mas, no mundo do áudio, na realidade, não há uma oposição rígida entre áudio digital e analógico. Os dois formatos são complementares. Ainda não há sinal inconteste da volta ao vinil, nem da superioridade absoluta e eterna do som digital. Pelo é assim, no momento atual do desenvolvimento tecnológico.
Apesar de alguns sinais da volta do formato analógico para gravação de discos, esta tendência não é unânime. O jornal Estado de Minas (15/11) publicou matéria sobre o assunto. Nela, Henrique Portugal, tecladista da banda Skank, anuncia o fim definitivo das mídias físicas:
“Essas mídias físicas estão com os dias contados. O artista hoje tem de se preparar para saber explorar da melhor maneira possível as mídias digitais. Além de shows ao vivo, o faturamento do músico terá de vir dos acordos que fizer com sites e provedores, como o YouTube, e da sua capacidade de criar alternativas tecnológicas.”
A mesma matéria também apresentou a opinião da profissional de marketing Júlia Hammes, 23 anos, que usa os dois formatos e reconhece as vantagens e desvantagens de um e outro. Para ela, “a maior vantagem do vinil é a definição do som, mais natural, e o fato de poder aproveitar a experiência com os amigos”. Concordo com ela: ouvir música (popular, principalmente) em vinil é uma experiência muito mais enriquecedora do que escutar as playlists atuais em formato digital. Escutar música em vinil é uma experiência social mais rica do que sentar para ouvir as playlists pasteurizadas digitais. Que muitas vezes acabam como fundo musical de conversas…
Perda de qualidade
Mas Júli também reconhece que a internet trouxe vantagens que o vinil não tem: portabilidade, a possibilidade de se transferir o conteúdo para diferentes aparelhos, e a facilidade de encontrar a música que o ouvinte desejar na web em poucos instantes. Mas mesmo assim ela prefere o vinil, por dois motivos: melhor qualidade de som e o lado social da experiência de ouvir música com amigos. Escutar música com outras pessoas é uma experiência partilhada.
Lembro que, antes da era digital, as sessões de audição de música em grupo eram uma troca entre preferências que acontecia em encontros sociais: cada um apresentava seus discos, suas preferências e explicava o porquê delas. Conversávamos, discutíamos e passávamos bons momentos, muitas vezes a comunicar pela melodia o que era impossível em palavras. Dividíamos nossos mundos, enquanto partilhávamos nossas preferências musicais.
Júlia Hammes, no Estado de Minas, prefere o vinil, mas não nega o valor da reprodução digital. Uma posição muito correta, porque, na realidade, meu caro leitor, a oposição absoluta “digital versus analógico” é falsa: uma boa qualidade de som envolve elementos dos dois formatos. O atual universo das transmissões de áudio está comprometido com ambos.
Na realidade, tanto o som analógico quanto o digital são idealizações, e cada gravação musical atualmente utiliza elementos analógicos e digitais. Gravações digitais partem de uma base analógica, que é convertida numa série numérica binária que é gravada. O resultado da gravação digital, por sua vez, é convertido em formato analógico para a reprodução.
Nosso mundo não é completamente digital. No que diz respeito à gravação de músicas, utilizamos tecnologias analógicas e digitais combinadas. O formato da reprodução, entretanto, vai determinar diferentes resultados para o ouvido humano. E a partir daí, caro leitor, cada um faz a sua escolha. Eu ainda prefiro o vinil. Em toda conversão, por mais imperceptível que seja, acontece perda de qualidades acústicas essenciais para os amantes da música integral e fiel as intenções de seus autores e interpretes.
[Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor]
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